Mike Brown: How I killed Pluto and why It had It coming

Esse livro do Mike Brown foi minha leitura de férias esse verão. Peguei o livro pensando em ler alguma coisa leve e divertida durante a viagem de trem de mais de cinco horas até Chicago, voltei o livro para a biblioteca convicto que tinha lido um do melhores livros de introdução a ciência desde “Um mundo assombrado por demônios“.

É curioso que os astrônomos tenham tomado a frente da educação para a ciência desde Sagan. Ao menos da minha parte, preciso dizer que assistir à série Cosmos, narrada por aquele sujeito estranho naquele blazer barato, abriu minha cabeça para as possibilidades da ciência, do conhecimento, do universo e de tudo mais. Talvez seja pelo fascínio institivo, alguns diriam mimético, que as estrelas exercem sobre a gente (e qualquer frase com “estrelas” corre o terrível risco de ser identificada como brega ou demodê, perdoai), talvez também seja o fato da gente ser a primeira geração a ter um contato mais pontual com o universo – primeiro o programa espacial tripulado, depois as fotografias do Hubble, tudo isso expôs a gente a um universo mais visível, mas nem por isso menos intangível. Creio que boa parte dos astrônomos mantém parte desse fascínio infantil, primitivo, com as possibilidades do universo. Mas aliam a esse fascínio o rigor da analise científica, da física e da matemática.

No livro do Brown encontramos as mesmas qualidades que nos acostumamos a ler no Sagan: um engajamento absurdo com o tema, uma habilidade fantástica de comunicar assuntos complexos de forma direta e clara e, sobretudo, uma capacidade de conciliar uma discussão extremamente etérea (o que é um planeta) com algo que, de fato, pode fazer alguma diferença no nosso dia-a-dia.

Eu não teria problema algum em recomendar o livro para a minha sobrinha de 8 anos. Eu também não teria problema em recomendar o livro para um professor de filosofia da linguagem, preparando um livro sobre necessidade e labeling na pós-graduação.

Vocês já devem ter adivinhado que eu gostei para caramba do livro.

Pois é, eu disse ali em cima que a discussão principal, o ponto, do livro era um tanto etéreo. Pois é, a discussão sobre “o que é um planeta” não parece lá ser muito relevante. Quer dizer, certamente não faz muita diferença para a tua vida, a minha vida ou a vida de qualquer ser humano normal andando nesse planeta nesse momento a decisão pela existência de cinco, oito ou 245 planetas no Sistema Solar. No entanto, ela nos remete para um problema mais importante, mais amplo: o que é um tipo, ou, em  termos menos pomposos, o que é um conceito?

De várias formas, quando falamos de um conceito, falamos de algo que é ótimo. O conceito de “bom”, ou de “bonito”, ou de “conceito” requer a referência a um número de critérios que nos permite falar daquele algo, que chamamos de “conceito”, até que se retirarmos uma parte fundamental, não estamos mais falando daquele mesmo “algo”. Se falo de um planeta, então, estou falando de algo circular que orbita o sol? Bem, temos mais de mil objetos no Sistema Solar, nesse momento, que estão orbitando o Sol. Beleza, então não é só algo circular. É mais. O quê mais?

Brown passa o livro inteiro tentando responder a essa pergunta, e usando como exemplo o caso de Plutão – Pluto, na língua da Rainha Elizabeth. A descoberta do chamado “kuiper belt” obrigou os astronomos a repensarem o status de Plutão no Sistema Solar: de uma certa forma, o kuiper belt obrigou os astronomos a repensarem o conceito de planeta de tal forma a não incluirem objetos demasiado comuns no sistema solar para serem considerados planetas. No entanto, considerar Plutão um planeta obrigaria, por transitividade, a inclusão de cerca de dez outros objetos no kuiper belt que tinham massa, tamanho e orbita solar similar a de Plutão.

Mas Brown vai ainda mais longe. Comparados com Jupiter, boa parte dos planetas do sistema solar são anões. Mas ainda assim, conseguimos estabelecer uma certa coerência entre o padrão orbital, composição e origem desses objetos que vamos chamar de “planetas”. Para incluir Plutão nesse grupo, precisamos ampliar o nosso “critério” para admissão de planetas de forma tão hiperbólica que o conceito perde sentido – o caráter “típico” de um planeta se torna vazio. No entanto, se consideramos Plutão dentro das características típicas dos objetos dentro do Cinturão de Kuiper – objetos pequenos, de composição quase integralmente rochosa, gelados e orbita errática-, temos em Plutão um exemplo típico daquele tipo de objeto.

Com isso, Brown ensina de forma direta uma determinada perspectiva para a forma que falamos de algo: as características de um objeto nos permitem situar esse objeto de uma forma determinada: a composição, comportamento e estrutura de algo lá fora chama uma determinada forma de compreensão desse algo. Fazer ciência é brincar de quebra cabeça, procurando onde uma determinada peça “fecha” com as demais.

Mas além disso, Brown também nos permite falar de outro problema, que é o problema de referência. Por exemplo, Pluto, em inglês, faz referência a ao menos três coisas distintas:

1

2

3.

Muito bem, ao ler o título do livro e ver a capa, era totalmente coerente – de minha parte – assumir que  o livro não era sobre como o Mike Brown tinha esmagado o cachorrinho de pelucia da Disney que ele havia comprado para a filha dele. Também era lícito compreender que o livro não era sobre o fim da mitologia greco-romana. Não, um livro chamado “como matei Plutão”, com um desenho de um dardo em cima de um planeta, refere-se, por óbvio, ao “planeta” (ex-planeta? quase planeta? mini-planeta?) Pluto.

Mas ainda assim, usamos linguagem para nos referir a objetos no mundo. Mas o mesmo nome pode nos remeter a duas coisas diferentes. E agora, onde foi parar a tal da necessidade na nomeação de objetos no mundo?

Aí o Brown vai pro outro lado da nossa discussão sobre conceitos. Na mesma medida que conceitos expressam uma forma segura, reduzida – eu chamaria Ideeal, mas isso é um reflexo epistemológico que não cabe discutir aqui – de  falar do mundo lá fora, eles também expressam um simples uso de termos. Quando falo Pluto -> planeta no sistema solar, ou P[l]uto -> Marcos Fanton, me refiro a duas coisas diferentes, mas usando o mesmo conceito. Usamos conceitos no nosso dia-a-dia sem nos preocupar com a forma como esses conceitos resistem a uma análise semântica ou estrutural.

Mas o ponto de Brown, e creio que ele tem razão, é que se estamos preocupados apenas com o uso convencional, no dia-a-dia, de conceitos, então nossa preocupação não é fundamentalmente científica. Mas, se somos educadores e estamos querendo comunicar algo sobre a estrutura da realidade lá fora, sobre a forma como as coisas são, então pode ser mais interessante adotar uma perspectiva menos solta, ou, “solta”, mas na medida que o conhecimento científico é maleável (certeza, sabe-se, é objeto do dogmatismo, não da ciência).

Daí o valor do que o Brown faz. O Brown traz, de forma extremamente sutil, mais um argumento para a importância da gente falar em termos de “verdade”. A discussão sobre o que é verdadeiro e o que é falso importa na medida em que queremos educar crianças sobre o que é verdadeiro ou falso, ou ao menos sobre o que sabemos que é verdadeiro ou falso, nesse momento, no universo. Isso serve para a evolução, para a astronomia e para a moralidade. A opção contrária até pode reproduzir melhor a forma como nos relacionamos com objetos no nosso dia-a-dia, mas da nossa atitude natural com objetos no dia-a-dia, não se segue que a atitude natural é verdadeira, ou mais vantajosa, que uma atitude mais rigorosa com relação aquilo que pode, mesmo, ser verdadeiro ou falso.

11 comentários

  1. gabrieldivan · · Responder

    Nao vejo nenhum problema e sim muitos ganhos em legar a “catedra” de introducao ao conhecimento cientifico para essa turma de astronomos desse calibre.

    Parece uma saida interessante (e nao menos cheia de “criticismo” – necessario) frente aos usuais epistemologos marxistas (mas nada muito contra, diga-se) que REINAM na area.

    Um Sagan se faz MUITO mais contundente que grande parte desse pessoal que fica reprisando os 3 porquinhos no modo ‘lite’ e dando orelhadas sobre Foucault e Deleuze – sem explorar o que verdadeiramente os autores contribuem, reduzindo-os a meros ‘rebeldinhos’.

    A razao disso, tu mesmo explicou:
    ” talvez também seja o fato da gente ser a primeira geração a ter um contato mais pontual com o universo – primeiro o programa espacial tripulado, depois as fotografias do Hubble, tudo isso expôs a gente a um universo mais visível, mas nem por isso menos intangível.”

  2. […] quem curte o tema, o post no Distropia sobre o assunto. Cheguem lá. Like this:LikeBe the first to like this post. from → coisas de bolsista, NERDices ← […]

  3. Excelente texto, Fabs! Eu tb fui impactado pela série do Carl Sagan em 1980 mas já tinha sido a leitura de outro livro de divulgação científica que me tirou da “atitude natural”, em meu primeiro ano na Escola Politécnica: “Como Vejo o Mundo”, do Albert Einstein. Era o 2o. semestre e aprendemos a reconstruir a demonstração da fórmula clássica da teoria restrita da relatividade, usando a transformação de Lorentz –por sinal, mais simples do que se imagina — o trabalho genial do Einstein foi ter intuído, com apenas 22 anos (ele publicou os 4 papers seminais com 25 anos em 1905!), como todas as diferentes contribuições em diferentes domínios da matemáica, física e química iriam revolucionar nossas concepções de espaço, tempo, matéria, energia, luz e força… Como estávamos em plena ditadura militar, depois do choque filosófico, fui atraído para a leitura de Marx e Lukács e acabei deixando o curso de engenharia pra embarcar num auto-exílio de quase 10 anos em uma odisséia filosófica que passou pelos mares da onto-teo-logia. Me lembro que li na Suíça o Tractatus de Wittgenstein e vários textos do Russell, sobre epistemologia e filosofia da ciência, mas o détour phénoménologique em Aix me levou à filosofia política, depois que li textos do Michael Polanyi, “Personal Knowledge” e “Tacit Knowledge” –perhaps it’s about time to revisit all this stuff. De toda forma, creio que um dos grandes desafios para diminuir a ineficiência e mediocridade que avalizam institucionalmente a nossa cultura de vira-latas é investir mais em ciência e educação de qualidade para o povo brasileiro. A gestão pública tem de refazer sempre as contas e vai ter de tirar de algum lugar e colocar noutro, por ex, diminuir os salários e mordomias de carreiras e cargos públicos (desproporcionais ao sistema meritocrático que já existe, por ex, entre professores de universidades públicas –e que ainda precisa ser melhorado!) e investir muito mais em educação pública, esp. no ensino fundamental e médio, iniciando com a implantação de escola de turno integral, como pregavam o Brizola e o Darcy e ainda clama no deserto o Cristovam Buarque!

  4. Bah. “Comprei” o “Como o vejo o mundo” junto com o primeiro livro do Sagan que eu comprei, o “billions and billions”. Meus pais compraram pra mim, naquele esquema de livro-by-mail do Circulo do livro (deve ter acabado isso, certamente). O mundo assombrado por demonios eu li na biblioteca do Sao Judas Tadeu, escondido, para ninguem perceber que eu tava LENDO UM LIVRO. :P

  5. Inclusive, acho que meu fascinio com Espinosa pode ser facilmente tracado para a compreensao de Deus do Einstein no Como eu Vejo o Mundo.

    (mas era um baita espinosista aquele Einsten)

    1. Totally agree! To my mind, Espinosa’s treatise on G-d’s nature (deus sive natura) remains to this day the most interesting interpretation of the Judeo-Christian G-d –but of course this is a rather liberal one, somewhat closer to atheism and agnosticism than to theism and even pantheism. I regard Espinosa’s (to keep the Portuguese spelling) hermeneutics of suspicion as original and brilliant as Nietzsche, Marx and Freud’s… btw have you ever visited this site:
      http://www.yesselman.com/e1elwes.htm

      1. Fantastic site! :D

  6. Nao conhecia o Mike Brown, mas, em virtude dos teus comentários, pretendo comprar o livro. Acho que a insatisfacao dele com relacao à elucidacao da ontologia dos conceitos (o que sao conceitos) na filosofia e, especialmetne, nas ciências sociais hoje está presente em muitos outros autores que possuem um conhecimento mínimo acerca dos avancos científicos ligados, em especial, à neuropsicologia. Acho que o filósofos deveriam prestar mais atencao às pesquisas científicas, ao invés de se preocupar somente com literatura.
    Parabéns pelo blog. Muito legal!

  7. […] com essa difícil relação entre filósofos e científicas (O Fabs descreve algo parecido no seu post sobre astronomia). E tudo isso, ainda, para dizer que meus questionamentos sobre o livro do Nicolelis parte mais de […]

  8. […] Essa discussão me remete, em parte, a coisas que a gente já abordou aqui na resenha do How I killed Pluto – especialmente a questão de Ontologia de […]

  9. […] Essa discussão me remete, em parte, a coisas que a gente já abordou aqui na resenha do How I killed Pluto – especialmente a questão de Ontologia de […]

Deixe uma resposta para Lucifer Rising « Getting Personal with Fabs Cancelar resposta