A cruz na sala de audiência, a cruz na decisão judicial

E então o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fez o óbvio e vetou a exibição de símbolos religiosos dentro de salas de audiência e gabinetes da Justiça no RS.

Acho que foi em 2005, não tenho certeza e o Marcos pode me ajudar aqui, mas lembro de um seminário do Professor Flickinger na PUCRS, sobre questões de filosofia do direito. Dois colegas no seminário eram membros da Justiça Federal gaúcha, não lembro se eram juízes, desembargadores, secretários, mas trabalhavam na JF. Em uma discussão os dois falavam em uníssono em favor dos símbolos religiosos nas salas de audiência e gabinetes. O argumento deles era que a sala de audiência era uma extensão do corpo do juiz.

Era difícil saber por onde começar a conversar com uma pessoa que tem a cara de pau de falar um negócio desses. O que tu diz? Se a sala de audiência é uma extensão do corpo, o crucifíxo é uma extensão  do órgão sexual masculino?

Corta para outro momento.

Feira do livro, 2005. O falecido Frei Rovílio Costa era o homenageado naquela ocasião e fui, junto com três colegas, para a homenagem ao patrono (um professor fazia parte dos palestrantes, e a gente achou de bom tom ir prestigiar a coisa toda). Naquela ocasião o Frei Costa falou uma coisa que deu o quadro da dor, ele falou o seguinte:

“Eu não estou tão preocupado com a cruz na sala de audiência, que tirem. O importante é que a cruz de Cristo esteja no coração do juiz e do desembargador”.

Me parece que esse é um problema muito mais grave que a existência de símbolos religiosos nas salas de audiências: a repercussão de convicções religiosas nas decisões judiciais – repercussão direta, é claro.

Neutralidade, vocês sabem, é coisa de gente louca. Ninguém em sã consciência acredita em decisões “neutras”. Mas a gente também espera que o indivíduo historicize certas, digamos assim, questões pessoais, no momento de uma decisão judicial. Eu não podia me importar menos com o fato de um desembargador ser, sei lá, homofóbico, racista, cristão ortodoxo ou todas essas coisas juntas. O que ele faz na vida íntima dele não é meu problema. Se ele vai na missa todo domingo, se ele se confessa, ou se ele toca violão no encontro de jovens da paróquia de Santa Terezinha, pouco me importa.

O que me importa é como isso reflete nas decisões desse juiz. Um juiz católico tem que ser capaz de reconhecer a isonomia das relações homosexuais em direito de familia, independente do que ele pensa sobre homosexualismo – independente do dogma católico sobre essa questão. Tirar a cruz da sala de audiência de um juiz disposto a decidir contra isonomia material não torna as decisões desse juiz mais isonômicas – é um ato simbólico, eu diria que um ato simbólico até bem bacana e óbvio, mas se ele não é seguido por uma atenção ao conteúdo das decisões judiciais sobre igualdade material, ele é vazio (como quase todos os atos simbólicos bacanas e óbvios).

O gritedo de gente como o Reinaldo Azevedo que identifica nessa decisão uma violação da “cultura” e dos direitos de liberdade religiosa reforça a mentalidade de juizes que pensam que não tem nada demais em fundamentar uma decisão judicial no sermão do bispo de antes de ontem. Nesse sentido, a cruz na sala de audiência é a ponta do iceberg – e também é o problema mais fácil de lidar. O bom da decisão é que agora juizes militantes vão querer colocar as cartas na mesa com ainda mais força e a gente vai poder apontar para os indivíduos que de fato estão deixando questões de foro íntimo interferir nas decisões judiciais.

“Ah, mas em alguma medida o foro íntimo sempre interfere”. Tá, claro. Tudo bem, ninguém tá discutindo isso em alguma medida. Mas vamos lá, também tem um elemento de rigor e não tem acrobacia hermenêutica que te permite justificar não aplicar isonomia para homosexuais que tem relações estáveis – só para citar um exemplo; não existe hermeneutica      que te permite defender, com o que a gente sabe sobre biologia, que direitos de personalidade devem começar no momento da concepção porque a personalidade já é potencial ali (não, não é). Em alguma medida é bom que existam variações no conteúdo das decisões e que essas variações reflitam diferentes concepções sociais, mas o cara que decide que vai ser juiz tem que saber que ele só vai poder reproduzir os seus valores na medida que eles podem ser “lidos” com a constituição – e o sentido que o texto constitucional adquire historicamente.

E não se enganem, esse não é um problema apenas de juízes “conservadores” ou “religiosos”, essa invasão de questões de consciência pessoal em decisões judiciais é um dos paradoxos mais difíceis do judiciário – e eu não sei (seria legal discutir isso nos comentários) até que ponto tirar as cruzes das salas de audiência não é só uma medida paliativa, populista e inutil, que faz a gente discutir as coisas erradas.

A questão não é o símbolo religioso. É a influência de questões de foro íntimo em decisões judiciais. Tirar a cruz da sala de audiência é só uma medida bonitinha.

16 comentários

  1. Sin duda, hay quien tira el agua del baño y al niño junto con ella.
    Ha sucedido aqui en España con el juez Garzon, al que sus compañeros tiraron de la carrera judicial aun sin encontrar ni el fiscal el delito. Pero, que los jueces juzguen un juez es como que los banqueros deliberen sobre la conducta o actos de un colega y sobre todo mas poderoso (rico) que todos ellos juntos!
    España es un pais “confesional”, que es una forma de admitir que el espiritu judio esta presente en todas las leyes y desiciones judiciales. Caso Cataluña: el hijo mayor hereda todo y se encarga del “bienestar” de sus hermanos. Es la comunidad mas judia de España; por eso les llaman “polacos”!
    Siendo los catolicos una secta judio cristiana y siendo las tradiciones americanas de base religiosa netamente “godas”, no es extraño el dilema que se plantean, pues!
    No olvidemos que otras sectas judias, los judios mahometanos, usan sus “libros sagrados” como fuente de sus leyes. Y lo mismo sucedio con el occidente cristiano, hasta no hace tanto, en toda Europa.
    Pero, hoy dia, tal como estan las cosas no se pueden mezclar estos asuntos. Por lo menos para nosotros, europeos y occidentales, “democratas”, “cristianos” (ya NO judios) y “capitalistas”, ciertas cosas ya no se llevan.
    Es de “mal gusto” quitarse el cinturon y apalear un par de jovenes en publico y delante de las camaras de television. Tambien lo es cortarles el clitoris de pequeñas (curiosamente nadie dice nada del prepucio!). Por que nos suena “desafinado” que nos sienten delante de un santon o juez moro que nos condene a 50 latigazos por fumar en la calle, claro. O le corten la nariz a tu mujer por que viste de pantalones en Arabia Saudi, no te digo Iran!
    Y menos en un pais como Brasil: al norte negros e indios, al centro francofilos, suizos y bueno… ya sabras tu mejor que yo.
    Al sur: alemanes, italianos y las fronteras con los “castellanos”. Y ni hablar de Sao Paulo: la mayor colonia de japoneses del mundo; hay mas japoneses en Sao Paulo que españoles en Madrid! Y no busques “palestinos” (filisteos, segun los judios israelitas) o paskistanies o indues … o chinos, sin mas!
    ¿Una cruz de nada en el juzgado puede molestar a quien?
    Pues a tantos como los que se sienten delante del “sheik” que tiene de un lado el Coran y del otro una cimitarra. El “sheik” tiene un pais “para él” y te quedas si te gusta.
    ¿Es Brasil un Pais de esos? Para empezar puede que no les guste a los egresados de la ULBRA… o a la bancada de los “creyentes”.
    ¡Por no hablar del “shaman” de Sean Connery!
    O que se cabree alguien de “la Religion”. Sin ir mas lejos…

  2. “tirar as cruzes das salas de audiência não é só uma medida paliativa, populista e inutil, que faz a gente discutir as coisas erradas.” BINGO. além do que, um direito e uma justiça completamente desprovidos de religião (lato sensu) seriam monstruosidades inumanas, por uma série de razões, duas das que acho importante are as follows: todo sistema jurídico provém de algum sistema (ou ética) de origem religiosa; o ser humano é religioso por natureza (homo symbolicus, de Cassirer), ergo (oi Fabs) um sistema de direito absolutamente não-religioso seria desumano.

    1. nao sei o que tu entende por “absolutamente nao-religioso”. mas me parece que a gente historicizou o elemento religioso na parte institucional. talvez ele ainda participe da historia dos direitos humanos, por exemplo, mas nao eh mais – propriamente – religioso. na origem? talvez. mas acho que tambem é de bom tom deixar de lado isso, até pq qualquer semelhança com a “origem”, nesse sentido, é de família.

      agora, se tu pode na tua experiência, associar os teus juizos (que tu pensa religiosos) com o que a gente considera tolerável institucionalmente, tanto melhor. o lance é que a melhor forma de garantir a maior quantidade de juízos religiosos possíveis é ter uma proteção institucional que subscreve a nenhum.

  3. Teo, creo que pones en el mismo tarro mogollón de cosas distintas. Y “judios mahometanos”, joder, es la primera vez que veo algo así. :) “(filisteos, segun los judios israelitas)” = no es según los judíos, los propios palestinos llaman a sí mismos así (en arabe = filistin), a pesar de que no tienen nada que ver con los filisteos, que son un pueblo ya extinto.
    Lo de Catalunya ni empiezo a hablarlo… ostias que no hay casi nada de judío aquí – al igual que en Madrid y en casi todos los sitios en España (Girona es excepción), lo que eran comunidades e culturas importantes fueron destruidas, y casi no resta vestigio de su existencia (a no ser por nombres, como “Montjuïc” – juïc = judíos). El unico vestigio fuerte de esa epoca todavía es el mismo que las destruyó: el antisemitismo.

  4. Marlon…
    Estamos hablando de la “cruz” de la secta judio cristiana, amigo. Estamos hablando de los fundamentos de la cultura occidental, de la civilizacion occidental y tu me dices que no quedan rastros de judios? En occidente somos TODOS basicamente judios: nuestros dios es de ellos. ¿Como crees que se identificaban los pueblos antiguamente? ¿Con un pasaporte?
    Es la unica forma correcta que “crear” una “identidad” etica, politica, cientifica, religiosa, etc.
    Desde nuestras leyes, los idiomas, la sicologia, la concepcion del hombre y del universo…¿me explico? Y los “judios mahometanos”… no lo has oido o ¿no te cabe en la cabeza?
    ¿Podemos estar de acuerdo que “todos” son semitas? ¿Siguen la misma descendencia desde Abram, de Ur de Caldea? ¿Tienen el mismo dios?
    Si llamas “cristianos” a los seguidores del maestro, el “Cristo” ben Mara ¿No son mahometanos los seguidores del maestro Mahoma?¿Y los seguidores de Moises?
    Llamar las cosas por su nombre tiene la ventaja de:”…si el nombre es la esencia de la cosa/ todo el Nilo esta en la palabra Nilo!” – como dice Jorge Luis Borges y las tradiciones judias
    Sobre Cataluña:¿quien crees que sistematizo el idioma catalan por lo menos 300 años antes que el castellano?¿Quien crees que sistematizo el portugues en aquellas mismas fechas?
    En cuanto a su destruccion: los peores enemigos de los judios o israelies actuales son ellos mismos. Tienen un nucleo director y solo ellos saben determinadas cosas y sus decisiones son a las que hay que responsabilizar de sus sucesivas persecusiones.
    Para poner en el tarro un mogollon de cosas diferentes es preciso que estas esten conectadas. Descubrir estas conexiones es lo que determina la diferencia entre un erudito o un individuo inteligente.
    Esto al final es un blog de filosofia ¿crees que “filosofia” es repetir lo que los grandes “hambuguer-pensadores” o arriesgarte a dar un “pequeño paso personal que puede ser un gran paso para humanidad”?
    Estamos en una epoca de cambios de dioses. ¿O como piensas cambiar el mundo?
    Sacar las cruces es necesario, pero:¿que pones en su lugar? ESE es el problema.
    Por que poco importa la madera, si la cruz continua en el corazon del juez.
    ¡Eso del “antisemitismo” en estas conversaciones es tan deshubicado como hablar de espionaje en las oficinas del MOSAD o de “maricones” en la reunion de los palomos cojos!
    O sea: es una cuestion de comprension lectora.

  5. cara, pra simplificar: a questão [é referência. os valores da decisão judicial são os expressos no sistema, nas normas. Não tem essa de costume , de decidir além da lei, ou no direito achado na rua. É sistema. Fim. Tu sempre vai trazer um pouco das tuas convicções pras decisões? Claro. Mas só na medida que elas podem ser lidas com o sistema. Não dá para defender ~x se o domínio obriga “x”. :)

    1. Fabricio andou lendo Hart e Rawls demais e, mesmo sendo brazuca, escreveu coisas como “os valores da decisão judicial são os expressos no sistema, nas normas. Não tem essa de costume, de decidir além da lei, ou no direito achado na rua. É sistema. Fim.”

      Fabs, isso tá tao perto da realidade brasileira quanto, sei lá, o Heidegger responder a hipotética pergunta do Marcos em um parágrafo, sem oracoes subordinadas.

      Fazendo o advocatus diaboli (ops): o crucifixo (ou os sistemas religiosos ocidentais) poderia funcionar como uma limitacao à discricionariedade na tomada de decisao judicial? Como nao se acredita mais nisso, acredita-se em qualquer coisa, inclusive no poder de um juiz de mudar o mundo a golpes de sentenca. Enfim, concordo contigo no mérito do post, mas me pergunto a imagem de um crucifixo (e tudo que ela representa – histórica, filosófica e politicamente) poderia, em tese e de forma bem suave, trazer um pouco de humildade (histórica, filosófica e política) aos nossos colegas atacados, tao frequentemente, de juizite crônica.

      1. Pedro, eu admito – de boas – que posso ter sido um tantinho idealista. Mas eu acho que tu entende meu ponto, assim como eu entendo o teu que a apropriação do símbolo religioso adquire sentido diferentes para pessoas diferentes.

        Talvez por isso mesmo eu não pense que o crucifixo na sala de audiência seja such a fucking big deal. Eu acho, isso sim, que é nocivo esse influxo “ativista” nas decisões judiciais. Ter motivações para uma sentença “x” não é o mesmo que ter razões para uma sentença “x”. E para que a gente tenha razões, por mais idealizado que seja dizer isso, algum tipo de referencia normativa tem que ser colocado na tela – nem que sejam princípios de justiça que vão sobrepor legislações caducas.

        Mas eu estou plenamente consciente da baderna que essa discussão sobre princípios pode causar, especialmente pq a gente não concorda sobre os conteúdos dos princípios e fica discutindo por isso – mas daí eu te pergunto: isso é necessariamente uma coisa ruim? :)

        (uma ultima coisa sobre os crufixos: na minha opinião seria OU o caso de liberar todos os símbolos religiosos, justamente pq a gente não pode pressupor a apropriação do significado desses símbolos pelos juízes, OU de vetar toda manifestação de identidade pessoal. E daí, eu acho que incluiria foto de família na mesa, adesivo político no armário, essas coisas TODAS. Eu prefiro a situação ideal com mais liberdade. Infelizmente, a nossa imaturidade política ainda aponta para a situação com menos)

        :)

  6. Reblogged this on Getting Personal with Fabs and commented:

    Mais um post lá no distropia, check it up!

  7. gabrieldivan · · Responder

    Concordo que ‘tirar a cruz’ nao resolve a maioria dos problemas em jogo e muy bem levantados pelo post – e bem, digamos que sobre “juiz” e “foro intimo” intervindo no ato de decidir, eu meio que ESCREVI um LIVRINHO em 2009 :)

    Agora, a nao-existencia de simbolos ‘exteriores’ como esse tem uma carga de OBVIEDADE tao grande que chega a ser desesperador discutir isso.

    Procurei fazer, hoje de modo menos DENSO (um elogio) que voces: http://gabrieldivan.com (merchand!)

  8. Só para deixar registrado:

    “Não creio que a presença ou não das cruzes seja uma questão capital, muito pelo contrário. Os níveis de glicose no sangue do magistrado provavelmente exercem mais influência sobre sua decisão do que toda a simbologia religiosa.”

    http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/1061837-cindindo-a-cruz.shtml

    Divan, além da cruz, há outros – digamos – excessos acontecendo na República:

    Highlight: 1:23 – “Pode soltar o playback, por favor”

  9. PELO FIM DA VENDA DE BATATA FRITA NA LANCHERIA DO TRIBUNAL

  10. Simplesmente rídicula esta polêmica sobre a retirada dos símbolos religiosos. O que percebo com tudo isso são os ataques de uma minoria fundamentalista, extremista e adeptos de uma nova religião da intolerância: o neoateísmo. Porque se dobrar a este grupo barulhento de pseudointelectuais que confundem Estado Laico com Estado ateísta? O que eu quero é que a Justiça do meu país realmente funcione e deixe de ser morosa e parcial.

    1. Olha, eu não diria que isso constitui um ataque a religião organizada. E acho que perceber isso enquanto ataque denota bem uma confusão complicada entre público e privado. Ninguém tá proibindo o Juiz de tocar violão no encontro do CLJ, ninguém tá proibindo o cara de ir na igreja ou sequer SUGERINDO esse tipo de coisa. Me parece que a questão é definir, de uma vez por todas, que a sala de audiências e o gabinete não pertence a ninguém, nem precisa representar nenhuma religião sectária.

      Como eu disse, o meu cenário perfeito é o que contempla todas religiões. E sigo achando a medida um tanto populista e simplista. Mas acho que é possivel ser a favor da retirada dos crucifixos, ou ao menos NÃO SER CONTRÁRIO, sem ser pseudo-intelectual ou extremista. Inclusive, eu acho que o extremismo está em ver numa medida tão simples uma agressão a religião como um todo.

      Nunca tinham que ter sequer colocado crucifixos ou símbolos religiosos no TJ. Essa reação diante da retirada denota bem a pretensão de SER a sala de audiência ou SER o Judiciário que alguns juízes tem.

      Mas, reforço. Infelizmente essa intrusão do aspecto privado nas decisões e comportamento dos juízes não é exclusiva de juízes católicos, mas uma coisa meio epidêmica. E a medida, nesse sentido, resolve muita pouca coisa – mas também me parece significar pouca coisa.

      Inclusive, não acho que precisa ser ateu para achar que as cruzes não tem nada que estar ali.

  11. […] a decisão do TJ gaúcho sobre os crucifixos, e a decisão do STF sobre aborto de anencéfalo já tivemos um tanto de polêmica (isso sem falar […]

  12. Recorrer a símbolos religiosos é típico daqueles que padecem de falta de credibilidade. Certa vez fui à câmara municipal da cidade onde trabalho à procura de um vereador e a sessão acabara de começar. Então fiquei para assistir. O primeiro vereador a usar a tribuna aparece, coloca a mão sobre uma bíblia que estava sobre uma mesa pequena antes da tribuna, faz um arremedo de oração e depois começa a falar. Perguntei-me: isso é necessário ? Quem fez isso ? A que classe pertence esse cidadão ? Respostas: um vereador, da classe política, a mais execrada do país nos últimos trinta anos. Daí, então, a necessidade premente e inadiável de recorrer a um símbolo religioso para ganhar um pouco daquilo que muito lhe falta: credibilidade. Numa outra ocasião, fui a uma serralheria encomendar um portão automático com fechadura elétrica. Havia uma bíblia sobre a mesa do diretor-proprietário da empresa. Havia também duas ou três faixas com dizeres bíblicos: ” sangue de jesus tem poder ” dizia uma delas. Resultado: ele entregou o trabalho fora do prazo, com serviço mal feito e material em desacordo com o combinado. Quando precisei de outro portão fui a outro serralheiro que não tinha adereços bíblicos ou religiosos em sua oficina. E me atendeu muito bem, com pontualidade, eficiência e honestidade.

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