Uma história de horror, um case.

título alternativo, devem achar que somos completos idiotas.

Primeiro, um aviso: Esta história não é para os que têm sensibilidades mais apuradas.

Vou destacar um trecho e tentar comentar algo:

De acordo com João Maria, o diretor clínico do hospital, a paciente apresentava 9 cm de dilatação e o feto não tinha batimentos cardíacos, ou seja, já estava morto. “Ao entrar em trabalho de parto, percebemos que havia um problema no ombro do bebê. Apesar da cabeça ter passado pela vagina da mãe, o corpo da criança ficou impedido de sair por causa da bacia da mãe. Tentamos vários procedimentos cirúrgicos, mas a única solução encontrada foi a ‘degola cirúrgica’, ou seja, tivemos que remover a cabeça do bebê”, relatou o diretor.

Pelo que percebi, a degola cirúrgica é procedimento usado em casos de aborto embrionário, quando existem problemas na gestação do feto na região cervical. Inicialmente, eu pensei que o sujeito, desesperado, tinha inventado o termo para justificar o que aconteceu nesse caso. Achei alguns casos na literatura médica problematizando a chamada “degola cirúrgica” em partos normais e, graças ao TOC, achei um artigo sobre as implicações éticas e de transparência em falar sobre esses casos.

Não achei nada no Brasil sobre o assunto, especialmente do ponto de vista legal. Achei essa decisão Norte-Americana, dizendo que o parto parcial é apenas admissível em caso de risco de vida para a mãe e que casos de decapitação fetal são, via de regra, sinal de negligência na prática médica. A decisão é bem rica em jargão e tem algumas discussões de jurisprudência que não cabem aqui. Mas achei interessante dividir aqui.

Antes de apontar dedos, talvez os médicos nesse case tivessem motivos para seguir com a “decapitação cirúrgica”. Talvez o procedimento fosse necessário para salvar a vida da mãe diante de uma situação imprevisível durante o procedimento. Até agora, nada indica que esse seja o caso. Mas quero ter um pouco de cautela antes de sair chamando as pessoas de incompetentes.

No entanto, o caso avaliado no artigo que dividi com vocês ali em cima é bem parecido com o que estamos lidando agora.

No abstract:

Blunt trauma to the head and neck of a newborn during delivery process is a rare event. We report a peculiar case of decapitation of a live fetus during vacuum-assisted delivery, where excessive traction on the head of the full-term macrosomic fetus with shoulder dystocia resulted in overstretching of the neck up to the point of decapitation. The ethical considerations related to the case are discussed in light of the policy of complete transparency advocated by the medical profession. Despite the existence of regulations regarding full disclosure of errors to the medical institution, the Ministry of Health and to the patient, medical practitioners are reluctant to divulge all the details of adverse events to the patient.

Soa familiar?

Então, para início de conversa, me parece equivocada a postura do médico que escolheu falar com a reportagem logo após o procedimento. Ele falou com a paciente, perguntou se poderia falar de detalhes do caso antes de falar com a imprensa? Será que existe um consenso entre os que participaram do procedimento, sobre o que foi dito? Parece que, em algum cenário, seria admissível fazer tal procedimento com a mãe consciente durante o procedimento?

Esta história, por ser um caso de horror, acaba encontrando todos os elementos de um case para análise de práticas clínicas e como responder e avaliar certas práticas. A coisa já começou errada, claramente, quando um dos membros do time fala sobre o case antes da coletiva no Hospital.

Mesmo assim, as razões mitigantes apresentadas na declaração do diretor clínico do Hospital são, no mínimo, risíveis. O fato da criança não apresentar batimentos cardiacos não permite ao obstreta, primeiro, tratar o recém-nascido como cadáver, nem, em segundo lugar, decapitar o cadáver. A única forma onde essa conduta seria aceitável é no caso da mãe correr risco de vida se o procedimento não fosse realizado. Talvez esse fosse o caso, ainda não sabemos. Até agora, tudo indica um procedimento de parto que já dava sinais de problemas e que criou uma situação de tensão entre os médicos antes mesmo da finalização com a “decapitação cirúrgica”.

Vou seguir acompanhando o caso e tentar ouvir a coletiva hoje de tarde sobre o assunto. Mas a bola já está com o Hospital e com o time de obstretas, que já agiu de forma incorreta com uma paciente em uma situação extremamente vulnerável ao falar do caso de forma informal.

3 comentários

  1. “Verificamos que se tratava de um morto-vivo, então decaptamos ele na saída da vagina”

  2. gabrieldivan · · Responder

    Para alem das risadas quanto ao comentario acima (Ferrari – e eu estou numa sala do PPG neste momento e nao poderia gargalhar e me engasgar com agua) o lance gera em mim ao menos uma preocupacao: soubessem do ‘case’ os fanaticos xiitas contrarios ao aborto anencefalico (situacao totalmente diferente), eu teria escutado AINDA POR CIMA que sou um degolador de fetos…

    PS: essa dos nao-batimentos –> “DEGOLA”, me fez passar mal, real. Deu medinho.

  3. Ainda tô esperando para ver se acho algo sobre a coletiva da equipe na imprensa. Até agora, nada.

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