O Outro enquanto Abismo

The truth is that God is itself and essentially a dormant wil (which is pure freedom) and, if this is true, the Other must necessarily and immediately also be. Following from this, the doctrie of th theologians could thus be conveyed: God is the cause and primordial matter [Ur-Sache] of that Other – not its efficient cause, but a still and essential cause. For the Other to be, nothing but that Being engulfed in the Essence is needed. For since that Being as such is not, and since it can also not abide in this withdrawal, God posits, immediately and without any ovement, but precisely through God’s purity, that Other which is Being to God. For just as that pure electric fire which, in accordance with its nature, is radiating and communicative, cannot be this for a minute without its antithesis, nay, is only itself insofar as it awakens its antithesis, so too the fire causes its opposite not through a particular effect, but through its purty and withdrawal. Or just as a fire, which cannot be actual without some matter, privided that it were necessarily actual, would posit the matter, immediately and without movement, through its mere essense, so too, in order that the Other be, it only needs the Godhead itself as a pure spirit, withdrawn from all Being. [Schelling, Ages of the World DIII, p.42] (Weltalter DIII, p.259]

Parte do esforço dos idealistas foi fazer sentido da concepção de pessoa depois de Kant. A crítica da razão prática, com efeito, sacrifica a compreensão ontológica da personalidade por uma compreensão política – a reação dos iluministas, em geral, foi de completo escândalo diante desta antroponomia – da tentativa de normativização do sujeito e das relações inter-subjetivas. Parte do esforço da filosofia que vai dar no Nietzsche é o de superar esta normativização, e Schelling participa deste esforço de forma dupla.

Primeiro, o príncipe dos românticos cria boa parte das bases para a Filosofia do Espírito. Depois, escandalizado com seu colega de quarto, resolve que a negatividade precisa ser confrontado com seu elemento de horror, uma certa realidade do mal enquanto primordial, enquanto perpassando toda existência enquanto condição de possibilidade. O tal mal fundamental, que tanto vai assombrar o Heidegger na sua carta sobre o Humanismo.

Mas o abismo de Schelling não é este mal fundamental. O abismo de Schelling é o Outro. Este Outro absoluto, que dá sentindo para uma substância de absoluto silêncio – na emergência do Outro, emergem os predicados de existência. Este outro de Deus que é Deus-mesmo, que é deus enquanto duração.

Mas quais são as implicações desta compreensão de ontologia, desta compreensão de fundamento? Claro, se tu queres estudar Heidegger, Schelling é uma necessidade. Encontrei, no mínimo, uns 5 existenciais espalhados pelo Weltalter. Tem a decaída, tem o fundo-sem-fundo, tem um tal de Seyn, enfim, tem a turma toda. Se tu estudas Levinas, Schelling parece colocar o Outro juntinho da Ontologia Fundamental – quase que como condição de possibilidade dos predicados de existência!

Mas lendo Schelling, fiquei pensando sobre este abismo. Mas porquê é um abismo? O abismo não era a negatividade? Não era a liberdade, aquela liberdade pura ali da citação, que funciona como este elemento negativo quase que ek-stático? Bom, é o abismo do Schelling, com certeza, esta liberdade. É o abismo com o qual ele quer lidar.

Só que o abismo da liberdade, a questão da eternidade, do tempo, é a parte interessante da filosofia do Schelling, é o ponto que a gente consegue lidar e até criticar. A gente consegue ver ali o embrião de uma certa fenomenologia, de uma certa ontologia fundamental. Do outro lado, tu continua com este Outro-com-O-maiúsculo. Esta permanência, este elemento de reconhecimento imediato. Sobretudo, este elemento que torna o político impossível.

O irônico de autores como Heidegger, Levinas e Schelling é que ao tentar superar a compreensão normativa de pessoa eles simplesmente assassinam qualquer possibilidade de política, qualquer possibilidade de relação parecida com as relações que a gente encontra aqui fora. Seja lá o que “aqui fora” significa, é claro. A preocupação destes autores, é claro, não era com política. Era com a ontologia, era com o Outro, era com seja lá com o quê preocupava o Schelling.

Mas qual é a vantagem de trabalhar com este modelo? Quero dizer, o Schelling no Tratado sobre a Liberdade Humana descreve uma estrutura de sub-sistema que é sensacional se  aplicada à uma noção de esfera pública. Perguntem ao Habermas, que a coisa fica realmente interessante. Mas no Weltalter, ao tentar tratar com o fundamento, Schelling coloca tanto à perder, que muitas vezes a frustração é tamanha que tu pensas em simplesmete desistir do livro.

Kant soube, com a sua compreensão de pessoa, fugir deste abismo. Ele criou, com isso, um problema diferente, que é o de como adequar a concepção normativa para ser a mais abrangente possível – as dinâmicas de reconhecimento recíproco, que um autor como Honneth sugere, são bastante interessante como mecanismo de crítica aqui. Ou mesmo o elemento Hegeliano, de uma mediação que supere o em-si.

O problema também é que ao nos jogarmos no abismo,ficamos sem chão. E sem fundamento, a filosofia para de fazer sentido, e vira um diálogo de surdos. Schelling mesmo reconhece isso ao dizer que este outro que predica uma existência de uma essência pura imediatamente é colocado como segundo, e enquanto segundo deve ficar para depois ser de certa forma colapsado em uma síntese. Por isso que o Outro de deus é Deus mesmo. Mas o Outro, então, ele mesmo, não poderia ser um fundamento?

Só enquanto um abismo. E daí, a tua posição filosófica deve ser se tu te jogas no abismo ou não. Se de frente para um abismo, para um sem-fundo, tu te jogas. Claro, os problemas mais interessantes parecem ser aqueles que a gente vê como um abismo – mas parece que não é por aí que a filosofia funciona, é?

O abismo que a gente precisa lidar é também um abismo de retórica, do uso do outro e da alteridade. Porquê este Outro, esta compreensão do Outro, ela sobretudo exclui a possibilidade de negativa, ela exclui o diálogo e insere no seu lugar um Dogma – um tipo diferente de abismo, o tipo  que torna a filosofia impossível.

Claro, a réplica aqui seria “mas nesta impossibilidade não estaria a própria possibilidade do pensar, do pensar Real?”.

Acontece que este pensar Real, embasado em uma impossibilidade que se afirma, sabe Deus (literalmente) como, é perigosamente próxima do que se convencionou chamar de “ideologia’. Não que Schelling caia nesta ideologia, estou quase convencido que julgar o Schelling pelo Weltalter é extremamente injusto. Mas pela questão que o Schelling nos coloca, e que eu estou aqui “pegando emprestada” e deliberadamente tirando de contexto. Esta questão do Outro-com-O-maiúsculo, do Real-com-R-maiúsculo, esta discussão que sabe tanto sobre si mesma que pensa estar com a razão sobre aquilo que a razão não é, com a razão sobre o não-ser da razão, com com a impossibilidade da razão e do Ético.

Na realidade, isso as vezes parece apenas um véu para esconder a vontade de gritar contra um mundo que insiste em se afirmar apesar da tua forma de narrar ele, em um mundo que insiste em te provar errado, e a culpa só pode ser do mundo! Este insensível, terrível e totalizante mundo que insiste em reproduzir predicados, sentenças através de seus indivíduos, esta terrível realidade que insiste em nos deixar de lado.

As evidências tão aí, e não tem apelo para o Abismo do Outro que vão te salvar delas. Quer dizer, podem até te salvar. Mas o engraçado, é que as evidências continuam .

8 comentários

  1. […] Abril 23, 2009 Eu que não sou o Outro Posted by fabriciopontin under coisas de bolsista, punheta mental | Tags: Alteridade, distropia, Schelling | No Comments  Lá, no Distropia. […]

  2. Estranho. Para mim tudo soa exatamente ao contrário. Artificiais são os esquemas explicativos – e quiçá a filosofia – que muitas vezes servem de suporte para a política. O Outro, por outro lado, é plenamente real, muito mais real que a “esfera pública”. Sobre a esfera pública eu posso teorizar à vontade (na imanência da minha razão); sobre o Outro, posso até tentar dialogar, mas se ele está morrendo de fome ou doença isso está além da minha capacidade intelectual e da minha teoria.

  3. Se esta alem da tua capacidade intelectual, ou da tua teoria, como sera possivel fazer filosofia sobre este outro, entao? Era justamente esta minha preocupacao.

    Ao falar sobre aquilo que tu nao pode teorizar, que esta alem da tua capacidade intelectual, tu cometes uma terrivel violencia com a filosofia (que nao se presta a salvar almas) e com o Outro (que nao se presta para a teorizacao).

    Claro, esta questao eh problematica – to begin with – pq parte do principio que algo concreto nao eh teorizavel, nao eh passivel de abstracao. Se este eh o caso, vamos declarar logo a morte da filosofia, e vamos todos voltar para nossas preocupacoes regionais. Tanto melhor, talvez seja a melhor solucao.

    Sobre a artificialidade. A pergunta aqui eh porque artificialidade eh uma coisa ruim? Quero dizer, a gente trabalha com as limitacoes da nossa sintaxe, e a nossa sintaxe transforma o natural, ela eh sempre um mecanismo de “artificializacao” – a nao ser que tu sejas um naturalista radical, nao vejo como fugir disto. Agora, ARBITRARIEDADE sao outros quinhentos.

    Tu podes me explicar o que tu entendes como “esquema”?

    :)

  4. Eu não discordo totalmente de vocês. Porém uma coisa eu vejo diferente: me parece que Levinas e outros não “teorizam” sobre o Outro da mesma forma que Kant sobre a “coisa em si”. As filosofias da alteridade trabalham sobre o limite da filosofia, sem querer ultrapassá-lo ou delimitá-lo. Isso significa a morte da filosofia? Não creio. Não creio que reconhecer que existe a alteridade signifique abrir mão de outros espaços construídos conhecendo seus limites. Acho que por exemplo a proposta do Agamben e do Nancy sobre o “comum” é bem interessante, desde que reconheça que seu limite é a alteridade.
    Acho, enfim, que o Outro é um limite da filosofia e que a advertência de Levinas sobre sua transcendência é uma espécie de choque da filosofia com algo que não é ela mesma, que não é conceito nem pensamento.

    PS: Sempre quis um dia aproximar a caridade do Davidson da hospitalidade do Derrida. Será que dá?

  5. A propósito, eu prefiro violentar a filosofia (que é só pensamento) para salvar o Outro (que é concreto, real) do que o contrário.

  6. “Acho, enfim, que o Outro é um limite da filosofia e que a advertência de Levinas sobre sua transcendência é uma espécie de choque da filosofia com algo que não é ela mesma, que não é conceito nem pensamento.”

    Ok, esta é a tese do Caputo, no Against Ethics. “Levinas protagoniza o choque da filosofia com algo que não é ela mesma”. Tudo bem, se queremos comprar a tese do Caputo. Mas comprar a tese do Caputo também implica em comprar uma certa substancialidade – já que o Jack mesmo admite que não consegue sustentar sua alteridade sem Deus. Primeiro problema, então, é que o outro concreto é sustentado – para dar o choque na filosofia – com uma imanência forte. É uma tese sustentável esta, mas eu não estou disposto a arcar com as limitações dela – justamente porque penso que Caputo, dois capítulos mais tarde, tem que fazer um esforço absurdo para sair de um perfeccionismo moral absurdo – ao qual ele é levado, justamente, por ficar nesta ambivalência entre Real/Imanente.

    Sobre a questão do limite e da transcendência. Eu acho este o tema mais difícil da filosofia contemporânea, e parece que Levinas não torna a nossa vida nem um pouco mais fácil quando lida com esta desgraça. Primeiro lugar, a questão do limite nos leva para a discussão da interioridade e da exterioridade – o limite do Levinas pode ser sustentado como um “limiar” no sentido Kantiano do tempo, ou seja, ele é um “ponto de indiferenciação”.

    Pois bem este “ponto de indiferenciação” onde Eu-Outro-Deus são “substituídos” é de uma arbitrariedade filosófica ímpar. “Ah, mas é uma questão de esperança, de um por-vir”. Infelizmente, não consigo me ocupar deste por-vir, não tenho nenhuma esperança em um futuro melhor, e não me parece que filosofia alguma tenha os meios para tornar a vida de qualquer um melhor ou mais feliz – mais cheia de esperança. Isso é trabalho de padre, de psiquiatra, de psicólogo e de traficante de drogas (não necessariamente nesta ordem), enquanto estudante de filosofia, penso que sou completamente desqualificado para lidar com este tipo de coisa.

    O que nos leva ao violentar a filosofia e salvar o Outro. Não estamos no negócio da salvação. Este é o negócio do Bispo Macedo, do Complexo do Alemão e do Leonardo Boff. Vende livro que é uma beleza. O que a gente faz é esclarescer e trabalhar a forma de expressão de enunciados, a gente tenta trabalhar formas de asserção de mundo-singificado-conduta. Chamar de “filosofia” a tentativa de melhorar a vida das pessoas é uma agressão, não tanto à filosofia, mas às pessoas que se dedicam a mudar a vida das pessoas.

    Deixa eu explicar.

    Dia desses um professor aqui colocou que era um escandalo que pessoas como Martin Luther King e Malcom X não fossem considerados filósofos. Me parece um escandalo pensar que esses caras algum dia na vida deles tenham feito filosofia.Filosofia é muito menos que isso, o que a gente faz não tem nada a ver, eu preciso insistir nisso, com salvar almas, salvar os outros ou coisa parecida. Não temos qualificação para isso, não temos treinamento para isso e não sabemos fazer análise de conjuntura.

    Podemos trabalhar com a coerência de modelos argumentativos que buscam melhor a vida das pessoas, podemos tentar propor alguns modelos linguisticos mais ou menos adequados com os quais lidar com moral, com direito, com conhecimento, com a questão da verdade – mas não podemos fazer muito mais do que isso. E fazendo isso bem, a gente tá fazendo um monte.

    Daí meu problema com modelos “hiperbólicos” de análise filosófica (Caputo/Levinas/Derrida/Nancy), eles se perdem justamente por acharem que algum filósofo algum dia foi capaz de salvar vidas. Se foi, não foi com a filosofia, foi sendo outra coisa, que não um filósofo. Talvez isso seja o mais importante na vida dele? Talvez, quem sabe? Mas não é este meu interesse quando eu trabalho com o que eu penso ser “filosofia”.

  7. Eu talvez não tenha entendido o que tu colocaste, mas para mim a transcendência tá mais para limite mesmo que para limiar. É o lugar onde pára o pensamento e começa o Outro (por isso o subtítulo de “Totalidade e Infinito” é “Ensaio sobre a EXTERIORIDADE”). Ele só vai até ali. O poder da imanência não o atinge (nem matando). (Não ponho jamais a questão fechada pelo Levinas; mas, até agora, ninguém me convenceu do contrário.)
    Mas talvez a nossa maior discordância seja mesmo essa questão da redenção. Eu fico com aquela frase do Adorno sobre o tema.

  8. É impossível “provar” que o Outro é Outro se isso é admitido. Se o Outro demonstra o limite da minha razão, como vou chegar até ele com ela? Isso depende de uma opção apriorística, de qual é o critério de direito para decidir (razão ou crença). Para mim, a decisão sobre esse critério é ética.

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